Estamos vivendo um momento singular na história da Igreja Evangélica no Brasil. É notório o crescimento do número de “evangélicos” em nosso país. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE 2000) aproximadamente 26, 2 milhões de brasileiros se declaram evangélicos. Pode-se afirma que o mesmo está acontecendo ao redor do mundo. Em vários países temos testemunhado um crescimento impressionante da Igreja evangélica. Entretanto há quem diga que não há motivos para se comemorar. Pois o que temos visto é um crescimento sem profundidade. Líderes eclesiásticos lamentam a superficialidade do discipulado cristão. Nas palavras de um líder africano o crescimento da igreja evangélica no seu continente é apenas numérico, pois há uma carência de base bíblica e teológica. Mais impressionante é a declaração feita em abril de 2006, em Los Angeles, por Cao Shengije, na época presidente do Conselho Cristão Chinês: “Alguns dizem que a igreja está indo bem quando há crescimento numérico [...] e queremos ver pessoas sendo acrescidas à igreja todos os dias. Porém, não estamos buscando apenas números, mas que o aumento nos números corresponda à confirmação de fé da igreja”. Essas duas citações de líderes de países em desenvolvimento são suficientes para mostrar que “crescimento sem profundidade”, ou crescimento estatístico sem o desenvolvimento de um discipulado, não é uma conclusão imposta pelo resto do mundo – é a visão dos próprios líderes.
Esta situação é séria e desagrada a Deus. Considere a crítica de Paulo à igreja de Corinto:
“Eu, porém, irmãos, não vos pude falar como a espirituais, e sim como a carnais, como a crianças em Cristo. Leite vos dei a beber, não vos dei alimento sólido; porque ainda não podíeis suportá-lo. Nem ainda agora podeis, porque ainda sois carnais. Porquanto, havendo entre vós ciúmes e contendas, não é assim que sois carnais e andai segundo o homem?”
1 Coríntios 3.1-3
Porém, há outra passagem escrita por Paulo sobre maturidade, e são esses versículos que quero destacar neste artigo.
Anunciamos [Cristo], advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em toda a sabedoria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito (teleios) em cristo; para isso é que eu também me fadigo, esforçando-me o mais possível, segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim.
Colossenses 1. 28,29
O adjetivo grego teleios ocorre 19 vezes no Novo Testamento e pode ser traduzido por “perfeito” ou por “maduro”, dependendo do contexto. Raramente significa “perfeito” num sentido absoluto. Em vez disso, o teleios (pessoa) contrasta com a criança ou bebê (por exemplo: 1 Co 13.10,11). Assim é melhor entendermos teleios como “maduros”.
Para mim a melhor forma de entender um texto é fazendo perguntas a ele. Neste caso a primeira pergunta é: o que é maturidade? O fato é que ela é algo difícil de ser obtido. A maioria de nós sofre de imaturidades prolongadas.
Além disso, existem diferentes tipos de maturidade, a saber: a maturidade física (ter um corpo saudável e bem desenvolvido), a intelectual (ter uma mente disciplinada e uma cosmovisão coerente), a moral (aqueles que “têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal, Hb 5.14), a emocional (ter uma personalidade equilibrada, capaz de estabelecer relacionamentos e assumir responsabilidades). Porém, acima de tudo, existe a maturidade espiritual. E isso é o que o apóstolo chama de maturidade “em Cristo”, isto é, ter um relacionamento maduro com Cristo.
Estar em Cristo significa estar relacionado a ele forma pessoal, vital e orgânica, tal como os ramos que estão na videira.
A próxima pergunta a fazer é como os cristãos se tornam maduros? O texto nos fornece uma resposta clara. Veja o verso 28. “Nós anunciamos [Cristo] [...] a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo”.
É lógico que, se maturidade cristã é maturidade em nosso relacionamento com Cristo, no qual o adoramos, confiamos nele e lhe obedecemos, então, quanto mais clara for a nossa visão de Cristo, mais convencidos nos tornamos de que ele é digno de nossa dedicação.
Infelizmente existem muitos “Cristo” sendo oferecidos nas religiões comerciais do mundo, e muitos deles são falsos Cristos, Cristos distorcidos, caricaturas do Jesus autêntico. Cada um é o que Paulo chama de “outro Jesus”, diferente do Jesus que os apóstolos proclamaram.
Assim se queremos desenvolver uma maturidade verdadeiramente cristã, precisamos, acima de tudo, de uma visão renovada e verdadeira de Jesus Cristo – principalmente de sua supremacia absoluta, da qual Paulo fala em Colossenses 1.15-20.
A essa altura você deve está se perguntando: onde encontrarei o Jesus autêntico? A resposta é simples: Ele deve ser encontrado na Bíblia – o livro que pode ser descrito como o retrato que o Pai fez do Filho, colorido pelo Espírito Santo. A Bíblia é repleta de Cristo. Como Jesus mesmo disse: “as Escrituras testificam de mim” (Jo 5.39). Jerônimo, o antigo Pai da Igreja, escreve que “ignorância da escritura é ignorância de Cristo”. Da mesma forma podemos dizer que conhecer as escrituras é conhecer a Cristo.
Agora que já definimos o que é maturidade cristã e vimos como os discípulos se tornam maduros, chagamos a terceira: para quem esse chamado a maturidade é direcionado? Perceba que nesse contexto o apóstolo Paulo repete a palavra “todo”: “o qual nós anunciamos, advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em toda sabedoria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo” (Cl 1.28). Segundo Stott, o contexto dessa tripla repetição provavelmente é a chamada “heresia colossenses” – embrião do gnosticismo que chegou ao auge na metade do século 2.
Esses primeiros gnósticos parecem ter ensinado que havia duas classes de cristãos. Por um lado, havia o rebanho comum (hoi polloi), que era unido pela fé (pistis). Por outro lado havia uma elite cristã (hoi teleioi), que havia sido iniciada pela gnosis, o conhecimento especial. Paulo ficou horrorizado como o ensino gnóstico e aplicou a palavra teleios a todos os cristãos. A maturidade em Cristo está enfaticamente disponível não somente a um seleto grupo de pessoas; mas a todos.
Por fim é importante perceber que nesse texto Paulo se descreve como um pastor que deseja levar todas as suas ovelhas a maturidade em Cristo – “para isso é que também me fadigo, esforçando-me o mais possível, segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim” (Cl 1.29). Assim sendo o ministério pastoral deve objetivar a proclamação fiel de Cristo em sua plenitude para que aqueles que estão sob o nosso cuidado possam amadurecer. De igual modo é apropriado nos colocarmos na condição de receptores da mensagem (tal como os colossenses) e deixarmos que ela fala também a nós. Assim, ouviremos o apóstolo com atenção, receberemos sua admoestação sobre crescer em maturidade, tomaremos a decisão de levar a leitura bíblica ainda mais a sério e, ao lermos a Escritura, olharemos para Cristo de modo a amá-lo, confiar nele e obedecer-lhe. Pois o princípio do discipulado é claro: quanto mais pobre for o nosso conceito de Cristo, mais pobre será nosso discipulado.